Até bem pouco tempo atrás eu desconhecia os seres que habitavam a gente. Parece estranho, mas a gente não é o que a gente pensa que é, o que a gente quer ser, o que a gente odeia ter. Desconfiava seriamente que um eu meu era feliz, sem mesmo saber, mas era; e o outro juntava os pedaços, os "diamantes de pedaços de vidro", ficava largado, olhava pro horizonte, julgava o céu não ter mais estrelas só pelo fato de estar nublado. Um eu meu queria tomar banho de chuva e o outro tinha medo de ficar gripado; um eu tinha medo de chorar, de amar e o outro vivia até o último instante todas as coisas, acordava antes do sol só pra vê-lo nascer, vestia roupa de verão no inverno só pra sentir o frio, amava tudo só pra não se sentir vazio. Um eu meu ouvia canções quaisquer; o outro ouvia o silêncio perdido. Um eu queria estudar medicina e o outro tinha medo de sangue, tinha medo da dor, daquela dor que foge aos cuidados médicos. Um eu meu é sol; o outro lua. Um eu é esconderijo, o outro rua. Um solidão; o outro multidão. Juntar esses "eus" na mesma alma é o segredo, mas o código eu desconheço, como desconheço em qual deles me encontro agora...
A cada escolha terei minha renúncia.
(Sobre as renúncias, parafraseando Pedro Juan Gutiérrez, em Trilogia Suja de Havana: Na vida temos 100 caminhos, 1 escolha e a nostalgia dos outros 99...).